A saga ‘Harry Potter’ tornou-se uma das mais influentes não apenas no mundo da literatura, como no cenário cinematográfico – impactando as adaptações de romances jovem-adulto e o próprio espectro da fantasia. E, ao longo de oito longas-metragens de qualidade aplaudível e similar, algumas releituras não tiveram a recepção que mereciam por parte da crítica e/ou dos fãs, como foi o caso de ‘Harry Potter e o Enigma do Príncipe’.
Lançado em 2009, a sexta iteração da franquia mágica prenuncia o épico fim da batalha entre Harry Potter (Daniel Radcliffe) e Lorde Voldemort (Ralph Fiennes), sofrendo uma drástica mudança de tonalidade e de atmosfera que seriam mantidos nos dois capítulos subsequentes. Aqui, após os drásticos eventos de ‘A Ordem da Fênix’, Cornelius Fudge (Robert Hardy) admite o retorno de Voldemort e se resigna do cargo de Ministro da Magia, que logo é ocupado por Rufus Scrimgeour (Bill Nighy). Enquanto isso, os asseclas do Lorde das Trevas dão continuidade ao reino de terror ao atacarem tanto o mundo bruxo quanto o mundo dos trouxas, capturando vítimas e catapultando tanto Harry quanto Alvo Dumbledore (Michael Gambon) a tentar descobrir a fraqueza de seu arqui-inimigo para destruí-lo de uma vez por todas.

Em meio a esse explosivo cenário, Harry retorna a Hogwarts ao lado de seus melhores amigos, Rony (Rupert Grint) e Hermione (Emma Watson), enfrentando problemas pessoais à medida que passam por mais um estágio de amadurecimento que apenas alimentar as múltiplas subtramas do longa-metragem. Harry, inclusive, é encarregado com a missão de se aproximar do novo professor de Poções, Horácio Slughorn (Jim Broadbent), a fim de coletar uma importante memória que pode ajudá-lo na investida contra Voldemort – e cruzando caminho com um antigo livro de poções que pertencia ao Príncipe Mestiço e que dita os principais acontecimentos da trama. Em contrapartida, Harry também se vê em uma vendeta contra Draco Malfoy (Tom Felton), que acredita ter finalmente se aliado aos Comensais da Morte e planejado uma ofensiva com potencial catastrófico para tudo o que conhecem.
É notável como as tramas delineadas são muito mais profundas quando comparadas com os filmes anteriores, principalmente pelo tom adotado pelo diretor David Yates, que retorna à cadeira de direção após seu trabalho em ‘A Ordem da Fênix’ e arquiteta uma ambientação de puro suspense, refletido na impactante e árdua fotografia de Bruno Delbonnel. O filtro esverdeado dialoga com a ideia de morte e tragédia que acompanha os protagonistas, além de fornecer uma sobriedade dilacerante e propositalmente permissiva no sentido de garantir que ninguém está a salvo do ataque dos Comensais e de Voldemort.

De maneira categórica, o filme é construído de forma quase impecável, ainda mais no tocante ao cuidado estético e técnico. Yates, afastando-se dos deslizes do capítulo anterior, mostra que aprendeu com os erros e conduz cada uma das sequências com maestria invejável, garantindo que todas as peças se encaixem: temos, por exemplo, cenas incríveis e bem coreografadas que amalgamam elementos do suspense e do terror a um vórtice de magia e performances de tirar o fôlego. Afinal, para além do trabalho fabuloso dos atores e atrizes supracitados, nomes como Alan Rickman (Severo Snape), Helena Bonham Carter (Bellatrix Lestrange) e Helen McCrory (Narcisa Malfoy) e Maggie Smith (Minerva McGonagall) ajudam-nos a singrar por essa aventura com incursões admiráveis.
Apesar de não trazer todos os elementos do romance original e, como adaptação, falhar em certos aspectos, o projeto nos mantém vidrados do começo ao fim por pulsões de originalidade que não tínhamos visto nas iterações predecessoras. Todavia, não podemos desviar olhares de algumas escolhas duvidosas, principalmente no tratamento que Yates e o roteirista Steve Kloves dão ao arco entre Harry e Gina Weasley (Bonnie Wright), transformando uma interessante história de amor nos livros em algo que apenas preenche os buracos. É claro que momentos pontuais conversam com o ritmo e o dinamismo dos acontecimentos, permitindo que o personagem titular enfrente a escuridão e seus demônios interiores de modo glorioso, mas o restante posa como escolhas descartáveis.

Equívocos à parte, Yates, Kloves e os outros membros da equipe criativa da obra sabem dosar as alterações tonais da narrativa, oscilando entre o drama, a comédia, a ação e o thriller em um passe de mágica e sem quebrar o ritmo que se desenrola entre uma cena e outra. A história também demonstra que, após seis anos frequentando Hogwarts e se envolvendo em uma caótica batalha entre o bem e o mal, o amadurecimento mandatório é algo intrínseco aos personagens, prenunciando, como já mencionado, a batalha final que ocorreria nos dois capítulos seguintes.
‘Harry Potter e o Enigma do Príncipe’ pode ter sofrido críticas à época de seu lançamento, mas, quase dezesseis anos depois de seu lançamento nos cinemas, mostra que é uma das entradas mais sólidas dessa saga mágica – e merece mais reconhecimentos por ter envelhecido como uma boa garrafa de vinho (ou de hidromel).


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