Em ‘Assassinato na Casa Branca’, um importante jantar de gala estatal para estreitar as relações entre os Estados Unidos e a Austrália termina em uma grande tragédia quando o chefe de recepção da Casa Branca, A.B. Wynter (Giancarlo Esposito) é encontrado morto no terceiro andar. A princípio, todos acreditam que ele tenha se matado – dado os cortes nos pulsos e o bilhete de suicídio que foi encontrado em seu bolso. Porém, com a chegada da famosa detetive Cordelia Cupp (Uzo Aduba), as coisas se mostram mais perversas e obscuras do que imaginavam, visto que a investigadora tem plena noção de que Wynter, na verdade, foi assassinado. A questão é: por quê e por quem?
A nova série da Netflix é um deleite do começo ao fim – uma divertida dramédia de suspense misteriosa de proporções épicas que nos levam ao interior da Casa Branca em um jogo de gato e rato que nos guia, episódio a episódio, em direções diferentes até culminar em uma reviravolta inesperada e complexa em demasia. Através de oito episódios frenéticos, o criador Paul William Davies apresenta uma série de personagens muito bem desenvolvidos e dotados de um certo ar de superioridade e complacência que logo cai por terra à medida que motivos, ressentimentos e desejos expressivos de vingança vêm à tona, mostrando que todos ali são suspeitos na morte de Wynter. É claro que alguns probleminhas de ritmo aparecem aqui e ali, mas o charme de um elenco estelar e um suntuoso e caprichoso trabalho técnico são mais que o suficiente para nos engolfar em uma das produções mais inebriantes do ano.
A grande estrela da obra é, sem sombra de dúvida, Aduba. Tendo ganhado expressivo reconhecimento após interpretar Suzanne “Crazy Eyes” Warren em ‘Orange Is the New Black’ (que inclusive lhe rendeu uma estatueta do Emmy), a atriz se lançou a diversos projetos ao longo de sua prolífica carreira e, ao encarnar a Detetive Cupp, se joga de cabeça em uma de suas melhores performances, trazendo elementos conhecidos de grandes investigadores da cultura pop em uma amálgama original, charmosa e envolvente (é impossível não traçar paralelos entre a rendição de Aduba e Kenneth Branagh como Hercule Poirot, Steve Martin como o Inspetor Clouseau e Daniel Craig como Benoit Blanc). Arrebatando-nos desde o primeiro momento em que aparece em um traje de expedição e demonstrando uma afeição enorme pela ornitologia, Cupp é inteligente, sagaz e engenhosa mesmo quando não abre a boca.
Porém, Aduba não está sozinha nessa empreitada e permite que outros membros do elenco tenham chance igual de brilhar. Temos, por exemplo, Esposito em um afastamento considerável de seus costumeiros papéis de vilão – e rendendo-se a uma polida representação do chefe de recepção, mantendo a classe e a compostura até explodir em uma atuação aplaudível nos momentos de tensão absoluta; Molly Griggs faz um trabalho espetacular como a inescrupulosa secretária social do presidente, Lilly Schumacher, através de maneirismos marcantes e uma completa desilusão acerca da vida real; Susan Kelechi Watson nos diverte como a assistente de Wynter, Jasmine Haney; Ken Marino imortaliza o conselheiro-chefe do presidente, Harry Hollinger, em uma construção odiosa de um antagonista inesperado; e Jason Lee brilha em polvorosa como o irreverente pária Tripp Morgan, irmão do presidente.
É claro que dezenas de outras pessoas integram o elenco, ainda mais considerando que esse enervante mistério envolve nada menos que 157 pessoas – e sim, Cupp entrevista todas elas para poder encontrar um ponto de partida, incluindo a icônica Kylie Minogue interpretando ela mesma de maneira adorável e jocosa. E, ao contrário do que poderíamos imaginar, nenhum deles é dispensável, tendo um papel crucial para que a detetive consiga descobrir quem foi o culpado e de que forma esse intrigante assassinato será concluído.
Para além dos atores e atrizes, nota-se o modo como Davies, responsável pelo roteiro, une-se aos talentosos diretores Liza Johnson e Jaffar Mahmood para construir uma identidade que não se desestabiliza a qualquer momento – e cujo efervescente dinamismo transforma longos capítulos de mais de uma hora cada em pequenas peças de arte que, mesmo com pontuais defeitos, não deixam de nos encantar. Eventualmente, tal paixão se desenvolve a ponto de transformar a narrativa em uma momentânea irrupção circinal (que conta com uma montagem cúbica de eventos já explicados para nos relembrar dos mínimos detalhes), mas nada de que a potência de um competente time não consiga desviar.

‘Assassinato na Casa Branca’ é uma grata surpresa da Netflix e já se configura como uma das melhores séries de comédia do ano. E, ao passo que Aduba ajuda a eternizar mais uma memorável investigadora da cultura pop, mal podemos esperar para que Cordelia Cupp retorne em mais um mistério insolucionável – ao menos, é claro, até ela entrar em cena.

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