Pensado originalmente como um filme, Skeleton Crew chegou a sofrer com rumores de que seria cancelado, mas foi confirmado como série em 2022. Desde então, diversos atrasos no calendário de lançamento ocorreram, até dezembro de 2024, quando a produção enfim viu a luz do dia. E ainda bem que isso aconteceu, porque a série é espetacular!
Com episódios lançados semanalmente, a trama das crianças de condomínio perdidas na galáxia em meio a piratas e vilões desconhecidos foi se desenvolvendo de forma cativante e muito competente. Ao longo desses oito episódios, novos ícones do universo Star Wars foram criados e houve um resgate de forma orgânica do deslumbramento infantil da saga e do conceito de esperança.
A trama conta a história de um grupo disfuncional de crianças do planeta At Attin, um local lendário que é descrito pela galáxia como um “Planeta do Tesouro”. E se tratando da miséria que permeia o universo de Star Wars, viver em uma sociedade funcional, em que todos têm sua casa, as crianças vão para a escola em segurança e a maior ameaça é o seu carro ficar sem combustível, levar uma vida confortável e pacata é um verdadeiro tesouro.
Pois bem, a molecada está prestes a fazer o seu “vestibular”, quando descobrem uma misteriosa nave espacial afundada num penhasco onde elas brincam. Após matarem aula, acabam religando e embarcando na espaçonave, saindo do planeta acidentalmente. Viajando rumo ao desconhecido, eles fazem amizade com o droid auxiliar da antiga tripulação e rumam para um porto de piratas sem saber que carregam um cobiçado tesouro de créditos da República consigo. Assim, eles conhecem um suposto Jedi desertor que promete ajudá-los a voltar para casa.
Se você ainda não assistiu a série, o texto contará com alguns spoilers a partir daqui. Então siga por sua conta e risco.
Parte do brilho da série é não se ancorar na nostalgia para se sustentar, um defeito que vem assolando a maré de chorume que marcou as piores produções do “Star Wars da Disney”, seja nos cinemas ou nas séries do streaming. Skeleton Crew não se preocupa em fazer conexões com produções prévias nem em trazer personagens do passado para tentar resgatar uma sensação nostálgica. Pelo contrário! Na verdade, a série promove um resgate quase nostálgico, por assim dizer, por prezar pela originalidade, pelo lúdico e pelo encantamento, assim como fizeram os primeiros filmes da saga lá nas décadas de 1970 e 1980.
Hollywood vive uma crise de criatividade tão grande e incômoda, principalmente no que tange franquias, que ser original já pode ser tratado quase como nostalgia, por remeter a um tempo em que as tramas ousavam criar e não apenas repetir o passado. Nesse âmbito, Skeleton Crew é revigorante. É encantador.
E vale destacar como a série é bem escrita. Ao longo dos oito episódios, a produção te faz acreditar que o Jod ainda tem jeito. Por mais que ele se mostre um péssimo indivíduo, arriscando a vida das crianças e destruindo tudo que possa ser positivo para elas, há momentos simples em que ele mostra que há alguma bondade nele, seja aconselhando a Fern ou incentivando o Wim a acreditar em si.
É um personagem que foge daquele preto no branco que costuma marcar os vilões dessas séries. Ele não é mau por fé num credo ou por querer vingança, ele só quer sobreviver e recuperar o prestígio de outrora. E por mais que ele seja realmente mau e inescrupuloso, é tão bem escrito que te faz torcer para que ele se redima a qualquer momento, o que não acontece. No fim das contas, o público assume o papel da molecada de se ver numa situação em que não há outra saída além de confiar nele. E isso se deve também à grande atuação de Jude Law, que prende sua atenção sempre que entra em cena.
Mas o destaque mesmo é a molecada. Que personagens incríveis! Jon Watts conseguiu reunir em tela quatro arquétipos clássicos – e contraditórios – da infância, interagindo e aprendendo a conviver em uma jornada que mudará suas vidas para sempre. Eles viajam por diferentes cantos da galáxia, sempre deslumbrados com o que veem. Não apenas por serem “moleques de condomínio”, mas principalmente porque são crianças. Tudo é mais encantador nessa idade, por mais caótica e perigosa que seja a situação em que estão inseridos.
E essa ótica infantil acerca da contravenção na galáxia é sensacional. Seja explorando um covil escondido de um antigo pirata, a oficina de uma coruja mecânica, um quarto de luxo de hotel ou um planeta em guerra protegido por guerreiros mirins, as personalidades da tripulação infantil afloram e conquistam todos ao redor. Nada é mais emblemático do que o episódio em que o Neel ensina à futura líder de um planeta o poder do otimismo e da educação. Ele não força isso, ele só é assim. Um querido.
Mais do que isso, após duas trilogias atribuindo o heroísmo a praticamente uma única linhagem familiar, Skeleton Crew vem para mostrar que você não precisa ser filho de uma lenda ou conter partículas no seu sangue para fazer a diferença. A molecada é cria de apertadores de botões, contadores e afins. A cena final do episódio, em que o Wim – que passa a série inteira sendo ridicularizado sobre o que sonha para seu futuro – olha para o céu e enxerga a esperança, uma prova de que seu sonho é possível, é lindíssima.
E a escolha por terminar a produção com os créditos personalizados como as histórias de Jedi que o menino lia e sonhava, inserindo o capítulo estrelado por eles em meio às sagas dos Sith e Jedi é a coisa mais ‘Star Wars em essência’ que a Disney já fez.
É preciso comentar também sobre o primor técnico que constrói essa série. Os efeitos visuais são infinitamente melhores que os de muitos blockbusters que tomam as telonas a cada mês. Seja com as naves espaciais, os planetas diversos, as armas e ameaças… Tudo é visualmente crível, criativo e bem executado.
Mais do que isso, a série deixa um pouco de lado o CGI exacerbado e aposta mais em personagens construídos por meio de próteses e efeitos práticos. Até monstro de Stop Motion foi trazido para o show. Não sei quanto a vocês, mas efeitos práticos desse nível me passam uma sensação de esmero, de carinho gigantesco da produção. É como se a direção me abraçasse, quase como se os diretores olhassem no meu olho e falassem: “cara, a gente gosta muito de você”. Porque não é uma escolha barata ou rápida. Esse processo mais analógico de criar personagens e cenários demanda tempo e dinheiro, palavras que estão sempre em falta para os executivos de Hollywood. Mas aqui, como disse John Hammond em Jurassic Park, eles não pouparam despesas. É realmente de encher os olhos.
Por fim, ainda falando sobre essa ideia de não terem economizado, a série traz um time de direção estelar. Além de Jon Watts (trilogia Homem-Aranha do MCU), nomes como Lee Isaac Chung (Minari), os Daniels (Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo) e David Lowery (A Lenda do Cavaleiro Verde) comandaram episódios com um feito raríssimo, que é trazer coesão a episódios dirigidos por pessoas diferentes. Tudo dialoga certinho entre si e ainda assim os diretores conseguem imprimir suas personalidades a cada capítulo.
E o melhor de tudo é que os episódios não deixam “a peteca cair”. O nível dos capítulos é altíssimo e constante. Para se ter uma ideia, o episódio mais “fraquinho” é o dirigido pela Bryce Dallas Howard, que é notoriamente reconhecida como a diretora de alguns dos melhores episódios de diferentes séries do universo Star Wars. E esse “fraquinho” é entre muitas aspas, porque o episódio é espetacular e traz uma das cenas mais impactantes, visualmente falando, de toda a série. É que o nível é realmente muito alto.
Com todos esses fatores, Skeleton Crew se consolida como uma das melhores produções do Star Wars da Disney e um dos capítulos mais fantásticos da franquia em geral. É a série perfeita para introduzir a saga para quem nunca viu ou para resgatar o amor de um fã que andava descrente dada a enxurrada de decepções a que foi submetido nos últimos anos. Infelizmente, por conta dessas decepções, é bem provável que muitos não tenham dado bola de acompanhar a série, mas ela definitivamente vale a pena ser assistida. É daquele tipo de produção que quase te obriga a assistir o próximo episódio de tão encantadora e deslumbrante que é. Agora é torcer para que possamos ver essa molecadinha do barulho de novo em breve.