sexta-feira , 7 fevereiro , 2025

Crítica | ‘Flow’ é uma IRRETOCÁVEL animação que explora a efemeridade da própria existência

Uma das melhores produções indicadas ao Oscar 2025 é, sem sombra de dúvida, a animação Flow. Angariando duas nomeações à próxima edição da premiação – incluindo uma surpreendente indicação à categoria de Melhor Filme Internacional para a Letônia -, o longa-metragem dirigido e assinado por Gints Zilbalodis acompanha um adorável gato que se vê lutando pela própria sobrevivência após uma enchente devastadora privá-lo da vida que outrora conhecida. E, nessa jornada, ele cruza caminho com aliados importantes e percebe que não precisa ficar sozinho em sua autoindependência.

Logo de cara, o filme emerge como uma conquista cinemática, tanto técnica quanto artística, que nos envolve através de seus breve 80 minutos de duração. Zilbalodis aposta fichas em uma espécie de futuro pós-apocalíptico em que, ao que tudo indica, os seres humanos já não mais existem – apenas resquícios de uma era que foi obliterada pelo tempo e pela natureza. Em meio a ruínas quase memorialísticas, um pequeno gato preto passa seus dias caçando para sobreviver e desviando de perigos em potencial, retornando para o que admitimos ter sido a casa de seu humano e acreditando que não existe nada além disso. Porém, em um determinado dia, o gato se vê no centro de uma inundação monumental, sendo forçado a correr para casa e se proteger.

Mas as coisas não saem como o planejado – e a enchente toma proporções catastróficas minuto após minuto, logo tomando conta de sua residência e de qualquer ponto mais alto em que possa se esconder. Por sorte, o gato vê uma embarcação chegando e não pensa duas vezes antes de se refugiar ali, dividindo-a com uma habilidosa capivara que parece muito tranquila frente à destruição que acabou de acontecer. Dia após dia, eles enfrentam mais obstáculos, mas também se juntam a um lêmure, um cachorro e um secretário, que os ajudam a navegar pelas caudalosas águas e pela realização de que, talvez, nada volte a ser como era. E é nesse incrível escopo fantástico que a personificação de personagens é transmutado em níveis inesperados, sem se pautar na caracterização cartunesca dos animais (como vemos na maioria das produções) e prezando por um realismo apaixonante e dilacerante.

Zilbalodis sabe exatamente como explorar os múltiplos elementos de que se dispõe – e aproveita a simbologia clássica de aspectos fílmicos para garantir que as mensagens sejam passadas com transparência e sem muitas espirais, por assim dizer. Afinal, se pararmos para prestar atenção, a cena inicial da obra é a que dita exatamente o que podemos esperar: na sequência, o gato fita seu reflexo em um espelho d’água e, por breves momentos, podemos ver um melancólico pensamento sobre o que existe além do que ele conhece. Não leva muito tempo até que essa meditação transforma-se na enchente titular – algo que já podíamos ter previsto nos primeiros segundos.

flow

Para aqueles que não sabem, a água sempre foi símbolo de mudança – não apenas no cinema, como também em vários outros âmbitos do pensamento. Ora, as delineações do filósofo Heráclito sempre defenderam a mutabilidade do mundo, sendo sua máxima mais famosa a ideia de que “nunca nos banhamos duas vezes no mesmo rio”. Se essas variações são a única constante do cosmos, não é surpresa que o diretor tenha trazido tais pensamentos para sua incrível obra-prima: a enchente vem para desconstruir a realidade do protagonista e dos coadjuvantes, lançando-o em uma jornada não apenas de autodescoberta, mas de confrontamento do que foi e do que é. E, à medida que acompanhamos esse arco, percebemos que, enquanto a ideia de uma existência sólida é tão frágil quanto cristal, a estabilidade só se firma na efemeridade.

Assista nossa entrevista: 


No tocante à narrativa, Zilbalodis se apropria das clássicas incursões de fantasias épicas – e é notável como o diretor, roteirista e até mesmo compositor se joga de cabeça em uma homenagem a tantos enredos similares. Dessa forma, enquanto a construção arquetípica soa familiar e nostálgica, valendo-se inclusive de alguns convencionalismos bem-vindos e bem empregados, a originalidade emerge no fato do longa não ter quaisquer diálogos e ser centrado em uma representação mais certeira da realidade, como já mencionado nos parágrafos acima. Até mesmo as técnicas de animação empregadas, que contaram com renderização no software Blender, permitem que o realismo seja pincelado com pulsões míticas e catárticas.

Conforme nos aproximamos do encerramento do terceiro ato, o gato percebe que, mesmo com a normalidade se reaproximando e colocando tudo em seus eixos, o mundo que conhecia não é o mesmo – e ele próprio passou por mudanças significativas ao lado de seus companheiros. E, após uma emocionante cena que sagra seu coming-of-age, percebemos que Flow não é apenas uma animação, e sim um arauto da mais pura renovação artística que traz uma profundidade maior e mais tocante do que aparenta.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Uma das melhores produções indicadas ao Oscar 2025 é, sem sombra de dúvida, a animação Flow. Angariando duas nomeações à próxima edição da premiação – incluindo uma surpreendente indicação à categoria de Melhor Filme Internacional para a Letônia -, o longa-metragem dirigido e assinado por Gints Zilbalodis acompanha um adorável gato que se vê lutando pela própria sobrevivência após uma enchente devastadora privá-lo da vida que outrora conhecida. E, nessa jornada, ele cruza caminho com aliados importantes e percebe que não precisa ficar sozinho em sua autoindependência.

Logo de cara, o filme emerge como uma conquista cinemática, tanto técnica quanto artística, que nos envolve através de seus breve 80 minutos de duração. Zilbalodis aposta fichas em uma espécie de futuro pós-apocalíptico em que, ao que tudo indica, os seres humanos já não mais existem – apenas resquícios de uma era que foi obliterada pelo tempo e pela natureza. Em meio a ruínas quase memorialísticas, um pequeno gato preto passa seus dias caçando para sobreviver e desviando de perigos em potencial, retornando para o que admitimos ter sido a casa de seu humano e acreditando que não existe nada além disso. Porém, em um determinado dia, o gato se vê no centro de uma inundação monumental, sendo forçado a correr para casa e se proteger.

Mas as coisas não saem como o planejado – e a enchente toma proporções catastróficas minuto após minuto, logo tomando conta de sua residência e de qualquer ponto mais alto em que possa se esconder. Por sorte, o gato vê uma embarcação chegando e não pensa duas vezes antes de se refugiar ali, dividindo-a com uma habilidosa capivara que parece muito tranquila frente à destruição que acabou de acontecer. Dia após dia, eles enfrentam mais obstáculos, mas também se juntam a um lêmure, um cachorro e um secretário, que os ajudam a navegar pelas caudalosas águas e pela realização de que, talvez, nada volte a ser como era. E é nesse incrível escopo fantástico que a personificação de personagens é transmutado em níveis inesperados, sem se pautar na caracterização cartunesca dos animais (como vemos na maioria das produções) e prezando por um realismo apaixonante e dilacerante.

Zilbalodis sabe exatamente como explorar os múltiplos elementos de que se dispõe – e aproveita a simbologia clássica de aspectos fílmicos para garantir que as mensagens sejam passadas com transparência e sem muitas espirais, por assim dizer. Afinal, se pararmos para prestar atenção, a cena inicial da obra é a que dita exatamente o que podemos esperar: na sequência, o gato fita seu reflexo em um espelho d’água e, por breves momentos, podemos ver um melancólico pensamento sobre o que existe além do que ele conhece. Não leva muito tempo até que essa meditação transforma-se na enchente titular – algo que já podíamos ter previsto nos primeiros segundos.

flow

Para aqueles que não sabem, a água sempre foi símbolo de mudança – não apenas no cinema, como também em vários outros âmbitos do pensamento. Ora, as delineações do filósofo Heráclito sempre defenderam a mutabilidade do mundo, sendo sua máxima mais famosa a ideia de que “nunca nos banhamos duas vezes no mesmo rio”. Se essas variações são a única constante do cosmos, não é surpresa que o diretor tenha trazido tais pensamentos para sua incrível obra-prima: a enchente vem para desconstruir a realidade do protagonista e dos coadjuvantes, lançando-o em uma jornada não apenas de autodescoberta, mas de confrontamento do que foi e do que é. E, à medida que acompanhamos esse arco, percebemos que, enquanto a ideia de uma existência sólida é tão frágil quanto cristal, a estabilidade só se firma na efemeridade.

No tocante à narrativa, Zilbalodis se apropria das clássicas incursões de fantasias épicas – e é notável como o diretor, roteirista e até mesmo compositor se joga de cabeça em uma homenagem a tantos enredos similares. Dessa forma, enquanto a construção arquetípica soa familiar e nostálgica, valendo-se inclusive de alguns convencionalismos bem-vindos e bem empregados, a originalidade emerge no fato do longa não ter quaisquer diálogos e ser centrado em uma representação mais certeira da realidade, como já mencionado nos parágrafos acima. Até mesmo as técnicas de animação empregadas, que contaram com renderização no software Blender, permitem que o realismo seja pincelado com pulsões míticas e catárticas.

Conforme nos aproximamos do encerramento do terceiro ato, o gato percebe que, mesmo com a normalidade se reaproximando e colocando tudo em seus eixos, o mundo que conhecia não é o mesmo – e ele próprio passou por mudanças significativas ao lado de seus companheiros. E, após uma emocionante cena que sagra seu coming-of-age, percebemos que Flow não é apenas uma animação, e sim um arauto da mais pura renovação artística que traz uma profundidade maior e mais tocante do que aparenta.

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