Nota: o texto em questão contempla a pré-estreia do espetáculo, no dia 13 de março.
Em 2012, o musical ‘Natasha, Pierre e o Grande Cometa de 1812’ fazia sua estreia na cidade de Nova York, apresentando uma interessante adaptação de um dos segmentos mais conhecidos do épico ‘Guerra e Paz’, de Liev Tolstói. A trama, que nos leva de volta à Russa Imperial do século XIX, é centrada em dois núcleos principais: o primeiro deles acompanha Natasha Rostova, uma jovem sonhadora prometida a um soldado que luta na guerra franco-russa e que, eventualmente, se apaixona pelo charmoso Anatole Kuragin; o segundo dá destaque a Pierre Bezukhov, um escritor boêmio que procura o sentido da vida e seu merecido respeito em meio a uma sociedade que não o leva a sério – incluindo sua esposa, Hélène, que também é irmã de Anatole.
Com uma sólida recepção por parte dos críticos e do público, era só questão de tempo até que o musical fosse trazido para os palcos brasileiros – com sua estreia oficial ocorrendo em 2018. Agora, chegou a vez do Estúdio de Treinamento Artístico nos presentear com uma remodelação da peça através da direção de Eric Côco e de um sólido elenco que singra em uma explosiva narrativa – e consegue ofuscar equívocos momentâneos através de um comprometimento infalível que domina as cenas ao longo de quase duas horas de espetáculo.
Nessa nova versão, Natasha é interpretada por Lívia Rogozneac em uma rendição que traz semelhanças ao retrato de Anastasia no musical homônimo: dividindo boa parte das cenas com Gabriella Soria no papel de Sonya, irmã de Natasha, e com Dewny no papel de Anatole, Rogozneac faz um trabalho digno de atenção ao se render de corpo e alma a uma complexa personagem que emerge como uma espécie de símbolo da crença no amor – e, de certa maneira, alheia aos acontecimentos que se perpetuavam àquela época na Rússia. A princípio meio tímida e escondendo-se frente às luzes dos holofotes, a atriz se liberta pouco a pouco de uma performance monotônica, deixando o melhor para um espetacular ato de encerramento que a sagra como a escolha perfeita para a protagonista.
Frente a isso, não podemos deixar de notar escorregos por parte do elenco que integra o núcleo em questão: Soria, nos encantando com vocais poderosos e envolventes, repete maneirismos que se tornam cansativos, por mais que sirvam de base para compor a personagem em questão; Dewny, por sua vez, faz uma entrada memorável como uma espécie de anti-herói que logo se transforma em uma vítima de seus próprios caprichos – mas comete os mesmos erros de Soria e deixa que o nervosismo tome as rédeas ao desafinar em notas-chave para a mitologia em torno da persona que interpreta; em contrapartida, Melinda, dando vida à madrinha de Natasha e Sonya, Marva, causa um impacto significativo com uma resplandecente atuação que traz elementos propositais do melodrama e a transforma em um bem-comum para o ritmo da peça.
Migrando para o outro núcleo, temos Emerson Oliveira em uma interpretação quase irretocável como Pierre – cuja construção inebria é o ponto de partida para um coming-of-age necessário e mandatório que o coloca em disputa não apenas com o que os outros membros da aristocracia pensam sobre ele, mas com Anatole e Hélène (aqui, eternizada com uma magnética performance de Lorenza Vilalba que se reitera com o segmento “Charmanté”). Oliveira rouba a atenção dos espectadores da mesma maneira que Rogozneac, porém com uma dose a mais de um derradeiro desespero que, eventualmente, alimenta seu anseio inescapável de ser mais do que realmente é.
Em se tratando de uma adaptação mais retraída quando comparada à versão de 2018, Côco comanda as cenas dentro de limites autoimpostos que se estendem desde os cenários até os figurinos: há uma ótima utilização de um espaço diminuto, cujo próprio uso de objetos cênicos é destituído de grandiosidade para dar foco aos personagens e às complexas relações que se desenrolam entre eles. Dessa maneira, as experimentações transformam o palco em entidade viva que inclusive convida o público a participar ativamente da trama – e transparecem a atmosfera de pura diversão que se apropria do local, cortesia do despojamento do elenco e da forma como os atores e atrizes navegam por essa história.
Para além do ótimo trabalho de Côco, temos a presença de Felipe Monteiro na direção musical e Maurício Reche e Carol Soares se apropriando da iluminação e da sonoplastia do espetáculo. O grupo promove uma transmutação bem-vinda de elementos cênicos que dialogam com a arquitetura compendiosa do espetáculo, garantindo um intimismo que aproxima o elenco do público, firmando laços comunicativos que tornam impossível a tarefa de desviar o olhar. Entretanto, não se pode fazer vista grossa no tocante a erros técnicos chamativos – seja nas alterações de volume nos microfones dos protagonistas e coadjuvantes, em certos deslizes de iluminação e em coreografias que deixam a desejar (incluindo uma cena na ópera que poderia ter sido muito mais bem trabalhada).

‘Natasha, Pierre e o Grande Cometa de 1812’ tem pontos a melhorar, mas emerge como uma sólida e reduzida adaptação da peça da Broadway em uma visão única e bastante original – que conta com pouquíssimos diálogos e reaviva nosso interesse em musicais song-through, e que faz questão de se sagrar como uma obra cujo maior enfoque destina-se a um elenco de peso.
DATAS E HORÁRIOS SOBRE A PEÇA
Pré-estreia: 13 de março de 2025, às 20h30
Apresentações: 21, 22, 28 e 29 de março de 2025, às 20h30
Local: ETA – Estúdio de Treinamento Artístico
Rua Major Diogo, 652 – Bela Vista – SP
Assista:
