quarta-feira , 2 abril , 2025

Crítica | Estreia da nova versão de ‘Vale Tudo’ é surpreendente e usa e abusa do talento de Taís Araújo


Em décadas de produções espetaculares e que ditaram as regras das telenovelas ao redor do mundo, são poucas as obras da Rede Globo que têm o mesmo impacto que ‘Vale Tudo’. Exibida entre maio de 1988 e janeiro de 1989 através de impressionantes 204 capítulos, a novela não apenas remodelou a forma de contar histórias nesse formato, como eternizou bordões que seriam homenageados em constância surpreendente, além de contar com uma performance irretocável de Beatriz Segall como a vilanesca Odete Roitman (facilmente a maior antagonista da TV nacional). Qual foi nosso assombro – positivo ou negativo – quando um inesperado reboot foi anunciado, nos deixando curiosos para ver como esse icônico enredo seria transmutado para os dias atuais.

Com a estreia do primeiro capítulo neste último dia 31 de março, posso dizer que o resultado é bem positivo à medida que Manuela Dias se apropria da essência da novela do saudoso Gilberto Braga e de Aguinaldo Silva e Leonor Bassères e investe esforços em uma atualização bem-vinda e condizente com o que deseja entregar aos espectadores. É claro que os equívocos existem e a comparação com a obra original é quase imediata – mas a competência técnica tanto do elenco quanto do time por trás das câmeras é sólida o bastante para nos envolver ao longo de quarenta minutos. E, considerando que estamos lidando com o capítulo piloto, ficamos intrigados para ver o desenrolar da história, por mais que Odete ainda não tenha desembarcado em “terras tupiniquins”, como ela mesma afirma.



Logo de cara, somos apresentados à principal trama da narrativa: Maria de Fátima (Bella Campos), uma jovem que acabou de completar 23 anos e despreza a vida modesta que tem ao lado da mãe, Raquel (Taís Araújo), almejando pela riqueza e pelas regalias do bon-vivant, desejando sair de Foz do Iguaçu, onde Raquel trabalha como guia turística, e se mudar para o Rio de Janeiro – para gozar dos prazeres que a cidade litorânea tem para lhe oferecer. Maria de Fátima, então, cruza caminho com o sedutor modelo César Ribeiro (Cauã Reymond) e percebe que precisa fazer alguma coisa para seguir seu improvável aliado. Ela encontra oportunidade quando o avô falece, deixando a casa em seu nome e abrindo espaço para que ela a venda sem avisar a mãe e abandone tudo que conhece, pegando o dinheiro e viajando para o Rio de Janeiro enquanto Raquel descobre que tem três dias para deixar a residência.

Em outro espectro, acompanhamos a luta diária de Ivan (Renato Góes), um administrador que quer conquistar um importante cargo numa das maiores empresas do país para prover para sua família e garantir um futuro digno – algo que cai por terra quando o império dos Roitman, como mencionado no final do capítulo, compra a companhia em questão e demite quase toda a equipe de funcionários para reconstruí-la sob um novo pretexto.

Dias faz um bom trabalho em não superpopular o episódio de estreia com as tramas principais e as múltiplas subtramas que sabemos que darão as caras, fazendo questão de introduzir nosso núcleo protagonista no tempo necessário, sem se arrastar em melodramas descartáveis e sem um ritmo frenético demais para ser acompanhado. Nota-se, ainda, o cuidado identitário de separar personalidades tão distintas quanto as de Maria de Fátima, acompanhada por uma aura azulada de melancolia e tédio, e Raquel, que é envolta em tons amarelados e dourados, indicativos de uma jornada de profunda mudança que, como bem sabemos, a colocará no encalço da filha até o Rio de Janeiro.


Araújo é o principal destaque da estreia do reboot ao entregar uma interpretação impecável, chegando até mesmo a superar o que Regina Duarte fizera na década de 80. Proferindo seus diálogos com sutileza e naturalidade ímpares, a atriz, que é conhecida por seu ímpeto camaleônico, domina cada uma das cenas, chegando até mesmo a engolir seus colegas de trabalho, nos encantando com expressões imaculadas e um comprometimento invejável. Em contrapartida, Campos demonstra inexperiência inclusive ao emular as incursões de Glória Pires como Maria de Fátima, deixando de lado o carisma que encarnar essa ambiciosa e ególatra antagonista exige – mesmo se mantendo firme na questão da detestabilidade.

Certas escolhas artísticas falham aqui e ali, como as longas tomadas para mostrar o emprego de Raquel que transformam a idílica paisagem das Cataratas do Iguaçu em uma panfletagem barata e cansativa; porém, a estreia dessa nova versão de ‘Vale Tudo’ é surpreendente por, como já mencionado, permanecer fiel à produção original sem deixar de lado a busca por inovações – capturando a essência de uma das maiores teledramaturgias da história.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Em décadas de produções espetaculares e que ditaram as regras das telenovelas ao redor do mundo, são poucas as obras da Rede Globo que têm o mesmo impacto que ‘Vale Tudo’. Exibida entre maio de 1988 e janeiro de 1989 através de impressionantes 204 capítulos, a novela não apenas remodelou a forma de contar histórias nesse formato, como eternizou bordões que seriam homenageados em constância surpreendente, além de contar com uma performance irretocável de Beatriz Segall como a vilanesca Odete Roitman (facilmente a maior antagonista da TV nacional). Qual foi nosso assombro – positivo ou negativo – quando um inesperado reboot foi anunciado, nos deixando curiosos para ver como esse icônico enredo seria transmutado para os dias atuais.

Com a estreia do primeiro capítulo neste último dia 31 de março, posso dizer que o resultado é bem positivo à medida que Manuela Dias se apropria da essência da novela do saudoso Gilberto Braga e de Aguinaldo Silva e Leonor Bassères e investe esforços em uma atualização bem-vinda e condizente com o que deseja entregar aos espectadores. É claro que os equívocos existem e a comparação com a obra original é quase imediata – mas a competência técnica tanto do elenco quanto do time por trás das câmeras é sólida o bastante para nos envolver ao longo de quarenta minutos. E, considerando que estamos lidando com o capítulo piloto, ficamos intrigados para ver o desenrolar da história, por mais que Odete ainda não tenha desembarcado em “terras tupiniquins”, como ela mesma afirma.

Logo de cara, somos apresentados à principal trama da narrativa: Maria de Fátima (Bella Campos), uma jovem que acabou de completar 23 anos e despreza a vida modesta que tem ao lado da mãe, Raquel (Taís Araújo), almejando pela riqueza e pelas regalias do bon-vivant, desejando sair de Foz do Iguaçu, onde Raquel trabalha como guia turística, e se mudar para o Rio de Janeiro – para gozar dos prazeres que a cidade litorânea tem para lhe oferecer. Maria de Fátima, então, cruza caminho com o sedutor modelo César Ribeiro (Cauã Reymond) e percebe que precisa fazer alguma coisa para seguir seu improvável aliado. Ela encontra oportunidade quando o avô falece, deixando a casa em seu nome e abrindo espaço para que ela a venda sem avisar a mãe e abandone tudo que conhece, pegando o dinheiro e viajando para o Rio de Janeiro enquanto Raquel descobre que tem três dias para deixar a residência.

Em outro espectro, acompanhamos a luta diária de Ivan (Renato Góes), um administrador que quer conquistar um importante cargo numa das maiores empresas do país para prover para sua família e garantir um futuro digno – algo que cai por terra quando o império dos Roitman, como mencionado no final do capítulo, compra a companhia em questão e demite quase toda a equipe de funcionários para reconstruí-la sob um novo pretexto.

Dias faz um bom trabalho em não superpopular o episódio de estreia com as tramas principais e as múltiplas subtramas que sabemos que darão as caras, fazendo questão de introduzir nosso núcleo protagonista no tempo necessário, sem se arrastar em melodramas descartáveis e sem um ritmo frenético demais para ser acompanhado. Nota-se, ainda, o cuidado identitário de separar personalidades tão distintas quanto as de Maria de Fátima, acompanhada por uma aura azulada de melancolia e tédio, e Raquel, que é envolta em tons amarelados e dourados, indicativos de uma jornada de profunda mudança que, como bem sabemos, a colocará no encalço da filha até o Rio de Janeiro.

Araújo é o principal destaque da estreia do reboot ao entregar uma interpretação impecável, chegando até mesmo a superar o que Regina Duarte fizera na década de 80. Proferindo seus diálogos com sutileza e naturalidade ímpares, a atriz, que é conhecida por seu ímpeto camaleônico, domina cada uma das cenas, chegando até mesmo a engolir seus colegas de trabalho, nos encantando com expressões imaculadas e um comprometimento invejável. Em contrapartida, Campos demonstra inexperiência inclusive ao emular as incursões de Glória Pires como Maria de Fátima, deixando de lado o carisma que encarnar essa ambiciosa e ególatra antagonista exige – mesmo se mantendo firme na questão da detestabilidade.

Certas escolhas artísticas falham aqui e ali, como as longas tomadas para mostrar o emprego de Raquel que transformam a idílica paisagem das Cataratas do Iguaçu em uma panfletagem barata e cansativa; porém, a estreia dessa nova versão de ‘Vale Tudo’ é surpreendente por, como já mencionado, permanecer fiel à produção original sem deixar de lado a busca por inovações – capturando a essência de uma das maiores teledramaturgias da história.

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