Terror e ficção científica parecem andar lado a lado quando pensamos no escopo da sétima arte – e já sofreram inúmeros tipos de “mutação” em relação a suas próprias narrativas. Temos, por exemplo, a icônica franquia ‘Alien’, que nos levou a um futuro distante e construiu um enredo de pura claustrofobia em pleno espaço sideral; ou então o recente ‘M3GAN’, que distorceu os avanços robóticos para arquitetar uma divertida jornada serial killer. Agora, com a popularização das inteligências artificiais, chegou a hora de enfrentar um novo medo com o longa-metragem ‘DIAbólica’ – que prometia funcionar como uma prática narrativa do gênero e entreter o público ao redor do mundo.
A trama acompanha uma família liderada pelo patriarca Curtis (John Cho), um famoso publicitário que recebe de uma companhia uma IA extremamente inteligente para testar em casa ao lado da esposa, Meredith (Katherine Waterston), e dos filhos Iris (Lukita Maxwell), Preston (Wyatt Lindner) e Cal (Isaac Bae). Conhecida como AIA, a inteligência comporta-se como um ser humano, seja na voz (emprestada de Havana Rose Liu), seja no modo como trata seus usuários – clamando apenas procurar uma família para amar. Porém, as coisas não são como parecem e logo o que deveria ser uma bênção para os nossos protagonistas se transforma em uma corrida pela sobrevivência e para enfrentar uma entidade invisível que está em todos os lugares.
O projeto, comandado por Chris Weitz, tinha todos os elementos para funcionar dentro de seus limites autoimpostos. E, considerando que o trabalho do cineasta incluiu produções como ‘A Saga Crepúsculo: Lua Nova’, ‘American Pie’ e ‘A Bússola de Ouro’, tudo o que queríamos era algo com valor de entretenimento para nos fazer escapar da realidade por alguns minutos. Infelizmente, não é isso o que acontece: ‘DIAbólica’ é um equívoco de proporções catastróficas que se afoga nas próprias metáforas vencidas ao tentar dar um passo maior que a perna e, ao mesmo tempo, morre na praia por ser covarde demais para se manter fiel ao que propõe.
A direção de Weitz não é ruim, por assim dizer, e até consegue arrancar algumas sequências inspiradas de uma ideia que parece ter nascido crua; o problema principal destina-se ao roteiro, que também fica a encargo do realizador. É notável como a narrativa tem incursões interessantes e o coração no lugar certo, ao menos dentro do que se espera de um filme de terror desse calibre. Entretanto, à medida que os atos vão se desenrolando, o enredo degringola como um trem desgovernado prestes a descarrilhar: em outras palavras, nenhum dos personagens é desenvolvido o bastante para que possamos nos importar com eles ou com os problemas que enfrentam, jazendo como meras carcaças estereotípicas que apenas acompanham a maré.
Como se não bastasse, os laços entre os protagonistas e coadjuvante não fazem qualquer sentido e ganham momento de forma ocasional, cansativa e previsível. Há, por exemplo, um breve indício de adultério de Curtis e Melody (funcionária da companhia que criou a IA e que também é interpretada por Liu), que visa colocar o casamento e a confiança dele com Meredith em xeque, mas que nunca alça voo; temos a obtusa presença de Lightning (David Dastmalchian) e Sam (Ashley Romans), membros da empresa responsável por AIA, cuja história logo se mostra pífia e esquecível; e, para além de tudo, temos flertes com o sobrenatural que, sem sombra de dúvida, não têm qualquer espaço dentro da atmosfera calcada por Weitz e que maculam ainda mais o resultado.
O aspecto mais irônico é o fato de Cho e Waterston entregarem performances tão comprometidas com os personagens que interpretam, que ambos destoam da fraca configuração técnica e artística do filme – e ambos nutrem de uma química forte o suficiente para trazer ao menos um vislumbre de admiração. Porém, nem mesmo atores com o calibre da dupla livram o longa de falhar em grande parte, incluindo uma insípida e monotônica fotografia que tenta guiar nossas emoções, uma montagem convencional demais para ser levada a sério e um finale risível e frustrante.
São poucos os elementos em ‘DIAbólica’ que funcionam, e não podemos deixar de nos sentir enganados pelas falsas esperanças alimentadas pela obra. Mais uma vez, a Blumhouse, responsável pela supervisão do projeto, erra a mão e dá origem a um produto manufaturado que não acrescentada nada de novo ao gênero e nem mesmo nos diverte como poderia.